PARTE UM.
Achei bem estranho, acordar e ter uma mensagem do Michael no meu celular: “Hoje, Prédio Itália, às 15h. Não se atrase”. Fiquei sem entender nada, olhei para o relógio, 11h. Estava bem atrasada, se realmente fosse nesse encontro. Mas é claro que eu iria, queria saber o que ele finalmente tinha a me dizer. Se é que diria alguma coisa. Será que tomaria alguma atitude? Será que finalmente sairíamos do “chove-não-molha”? Não sei. Mas ia pagar para ver. Levantei, tomei um banho daqueles, bem demorados, me vesti com um preto básico, relativamente justo ao corpo. Maquiagem leve nos olhos, batom vermelho. Bolsa e chaves do carro. Cheguei. Olhei para o relógio novamente, 14h55. Me identifiquei, subi para o local agendado, ninguém. Sentei e esperei. Uma espera eterna. Mas algo estava estranho. Minha prima, Juliana, um ser a quem eu repudio passou pela porta e pior, veio falar comigo. Respirei bem fundo, tentando não morrer de ódio, pois eu realmente odeio essa criatura. Ela sorriu e quando se levantou, o Michael entrou na sala. Ela saiu, olhado para ele. Ele ficou branco quando a viu. Não entendi nada, mas não perguntei, ou comentei nada sobre o assunto. Ele sentou. “Você está realmente incrível”, disse, sorrindo, parecia nervoso. Eu não disse nada, sequer agradeci ao elogio. Duvidada veementemente que era mentira, mas não deixei transparecer o semblante irônico. Ele pediu algo para bebermos, vinho. Eu odeio vinho. Odeio quem bebe vinho. Ele serviu meu copo, bebi em um só gole, sem esperar ele servir o dele. “Não vai brindar?”, ele perguntou. Não respondi. Esperei ele encher de novo e ele brindou: “Que hoje, tudo dê certo”, eu sorri, um riso bem amarelo, brindei e bebi num só gole novamente. Ele não encheu mais meu copo, respirei fundo quando ele começou: “Minha intenção de te trazer aqui, Fernanda, era para esclarecer algumas coisas. Somos adultos, você sabe, mas, você precisa saber que, sim, te acho incrível, uma linda mulher, maravilhosa, inteligente, o sonho de todo homem”. Meu pensamento correu: “Exceto você”. Sorri sombriamente diante do comentário e do pensamento. Ele continuou: “Mas não posso ter nada com você. Eu me envolvi com uma outra pessoa, e acho que você deveria saber a verdade”. Essas palavras entraram na minha mente como facas, rasgando tudo pela frente. Segurei a taça de vinho e pedi que ele me servisse, ele não se mexeu. Segurei com mais força até que ela quebrou, cortou minha mão. Ele pegou um guardanapo e tirou a taça da minha mão. Eu já sabia que ele tinha outra pessoa, para que me chamar até aqui e repetir isso? Então, boom. Claro, a outra pessoa era a vadia da minha prima. A odiei ainda mais nesse momento e o odiei junto. Odiei os dois com tamanha força que desmaiei. Quando acordei estavam os dois na sala, conversando baixo, ela olhando para mim, ele com a mão na cabeça, olhando para o chão. Havia um homem de branco um pouco mais no canto. “Você desmaiou”, ele disse. Eu sabia muito bem o que havia acontecido, sentei no divã em que me deitaram e olhei fixamente os dois do outro lado da sala. O Michael não conseguiu me encarar por mais de dois segundos. Minha prima, ria. Peguei minha bolsa e saí sem olhar para trás.
PARTE DOIS.
Não lembro quanto tempo se passou desde o encontro com o Michael, no Itália. Que cena ridícula. Ele sequer teve coragem de me olhar na cara. Resolvi viajar para a Bolívia. Não sei porque escolhi logo a Bolívia, só sei que fui. Me hospedei no primeiro hotel que eu achei pela cidade, e fui para a piscina. Um lugar imenso, com piscina olímpica. Este espaço era coberto, então eu deitei em uma das cadeiras de praia, e depois de um tempo relaxando, ouvi vozes relativamente familiares. Amigos do meu irmão estava chegando, conversei com alguns. Que coincidência não?! Mergulhei na piscina depois do encontro, e fui conhecer o hotel. O presidente boliviano estava hospedado no mesmo hotel, e havia uma reunião, dentro de uma das salas de festas no lobby do hotel. Por pura curiosidade cheguei perto da sala, para ver o que estava acontecendo e surpreendentemente, vi o Michael sentado na fileira da frente. Olhei bem, para ter certeza de que não estava enlouquecendo, mas não estava, era ele mesmo, sentado, escrevendo e gravando a conversa. O presidente me viu, me reconheceu, ficou claro porque pediu que me chamassem. Eu pedi para não entrar, pois estava em trajes de banho, mas o presidente fez questão. Quando o Michael me viu ficou rubro. Parecia com raiva, mas eu não fiquei olhando. O presidente pediu para fazer uma foto, e agendou um horário comigo, para uma entrevista. Disse que era bom ter um jornalista, que poderia passar notícias, não somente um historiador, que entende a história. Eu saí da sala sem olhar para o Michael. Cheguei ao quarto, troquei de roupa, sentei na cama enquanto calçava as botas. Seria um longo dia. Mas não fiquei pensando nisso. Eu queria sair daquele lugar, eu precisava beber alguma coisa. Saí pela rua e entrei no primeiro bar que eu vi. Pedi whisky puro, não gosto, mas àquela altura já não podia escolher o que eu gostava, porque acima de tudo, estar na Bolívia já não estava ao meu gosto. Outra voz familiar. Olhei para o lado com um semblante visivelmente puto, era o Luiz. Engraçado, o Luiz aqui? O que ele estaria fazendo na Bolívia? Ele me perguntou a mesma coisa. “Férias” eu respondi. Ele riu, pediu outra dose, tomou junto comigo. “Vai ter uma trilha mais tarde, um evento bem conhecido nessa região, as pessoas se juntam para subir a montanha, parece-me que todos estarão lá, se quiser, podemos ir juntos”, disse o Luiz. Eu nunca tinha ouvido falar daquele evento, mas também, nunca estive na Bolívia. Estar ali com ele me fez me sentir viva, aceitei de pronto, e ele pediu para passarmos no hotel e pegar casacos mais grossos, o tempo tendia a esfriar durante essa trilha. Fiz o que ele pediu e depois partimos para a tal montanha. Como era de se esperar, lá estavam eles, o casal mais feliz do evento, a Juliana e o Michael. Os dois traidores. Fiquei parada, segurando um cordão de ferro, que suportava a ponte que passaríamos para seguir a trilha inicial, olhando para os dois. Minha prima não me viu, mas o Michael me encarou com toda a coragem que ele não teve quando me disse que tinha outra. Fiquei olhando, até que o Luiz chegou e me tirou de lá. Passamos a ponte e começamos a seguir a trilha. Aproximadamente 30 minutos depois, fizemos uma parada, para abastecer garrafas e bolsas, o Luiz ficou parado me olhando, a luz do sol batia nos cabelos longos dele. Tirei uma foto do quase sorriso lindo que ele tem. Olhamos a foto e ele sorriu, e enquanto eu sorria ele ficou parado me olhando. Quando eu fiquei séria, ele me beijou. Primeiro um selinho longo, parou para ver minha reação. Não me mexi, mas correspondi ao beijo. Vendo minha reação, ele entrelaçou as mãos meus meus cabelos e me beijou de novo, dessa vez com vontade, com garra, e eu diria que até com certo ódio. Eu me deixei levar pelo beijo, e perdi até a noção no tempo. Decidimos desistir da trilha e voltar para o hotel. Quando estávamos quase chegando, ele entrou na frente, por outra coincidência, ele também estava hospedado no meu hotel. Eu fiquei para trás porque resolvi comprar uma bebida fora, ao invés de pedir no hotel, o Luiz entrou para arrumar o quarto dele. Na volta para o hotel eu o vi. Lá estava ele, na porta, parado, sozinho, com a mesma mão na cabeça, olhando para o chão. “Michael” eu disse. Ele levantou a cabeça, me encarou sem dizer nada. “Quem é ele?”, quando conseguiu falar, foi o que disse. “Um amigo”, eu ainda tive a decência de responder. Ele tentou dizer alguma coisa, mas se calou. “Mais uma vez você vai ser covarde. Da primeira não me olhou, e agora não vai dizer nada. É bem a sua cara, afinal”, eu estava com ódio. Queria simplesmente não estar ali, pelo menos não com ele, não tendo aquela conversa. “Eu não sei o que aconteceu, nem sei porque escolhi sua prima Fernanda”, ele soluçava. “Não importa Michael, você já fez a escolha, não me deixou escolha, e agora tem que viver isso”, eu queria mandar ele se foder, mas mesmo assim, ainda sentia que tinha que responder durante a conversa. “Você vai ficar com ele?”, passei por ele sem responder essa. Depois dessa viagem, eu e o Luiz voltamos juntos ao Brasil. Trabalhamos, e seguimos nossas vidas. Ah, o Michael e minha prima? Nunca mais os vi.